Durante cinco anos da minha vida, experimentei a mais dura realidade de um sistema prisional estrangeiro, imerso numa cultura completamente diferente da minha e submetido a regras que desafiavam qualquer entendimento de justiça que eu conhecia. A prisão onde estive era voltada especialmente para estrangeiros e ficava em território chinês, o que tornava tudo ainda mais intenso. O ambiente era frio, impessoal e, acima de tudo, cruel. Era como estar num limbo onde o tempo se recusava a passar. Adaptar-se não era uma opção, era uma necessidade vital.
Logo nos primeiros dias, percebi que meu nome, minha identidade e até minha nacionalidade perderam sentido. Eu era apenas um número, um corpo em meio a tantos outros que aguardavam o tempo correr. A comunicação com os outros presos era limitada, especialmente por causa das barreiras linguísticas, o que me isolava ainda mais. O maior desafio não era físico, mas mental. A solidão era sufocante, e a falta de informações sobre o meu processo e o que aconteceria comigo me deixava à beira da loucura.
A rotina na prisão era marcada por rigidez extrema. Acordávamos com o sol e seguíamos uma programação militarizada. Pequenos deslizes, como falar fora de hora ou não manter a postura correta, eram punidos com severidade. Alguns dos guardas demonstravam prazer em impor o sofrimento. E, para muitos de nós, o dia mais esperado da semana era quando podíamos sair da cela para atividades externas — mesmo que por poucos minutos. Essa era a única chance de ver o céu e lembrar que o mundo ainda existia além das paredes cinzentas que nos cercavam.
Durante um longo período, fui colocado em uma cela de isolamento. Essa foi, sem dúvida, a fase mais desumana de toda minha estadia. As luzes permaneciam acesas vinte e quatro horas por dia, e o silêncio era interrompido apenas pelo som metálico das portas e passos dos carcereiros. Não havia livros, não havia papel, não havia relógio. O tempo deixou de existir e a mente começou a criar armadilhas perigosas. Conversei comigo mesmo em voz alta, criei histórias e imaginava estar em outros lugares só para manter a sanidade.
Ao longo dos anos, testemunhei cenas que jamais esquecerei. Vi homens serem quebrados psicologicamente e outros perderem completamente a noção da realidade. Vi também atos de solidariedade inesperada, como dividir a comida racionada ou proteger alguém de uma punição injusta. Esses pequenos gestos eram fagulhas de humanidade em meio à barbárie. Aprendi que, mesmo nos piores cenários, é possível encontrar compaixão. Mas também aprendi a desconfiar, a medir cada palavra e a andar sempre com cuidado.
Minha relação com o mundo fora da prisão foi quase inexistente durante esse período. As visitas eram raras, e as cartas que escrevia nem sempre chegavam ao destino. Quando finalmente fui informado de que meu tempo ali estava acabando, não consegui sentir alívio. Havia uma estranha mistura de medo e incredulidade. Após tanto tempo vivendo sob vigilância constante, a liberdade parecia um conceito abstrato. Reaprender a ser livre tornou-se, então, o próximo desafio.
Ao sair da prisão, percebi o quanto havia mudado. Carregava cicatrizes invisíveis, marcas profundas que o tempo não apaga facilmente. O simples ato de caminhar sem ser observado era ao mesmo tempo libertador e desconcertante. Tive que reconstruir minha vida, recuperar minha identidade e aprender novamente a confiar nas pessoas. A experiência me transformou, me endureceu, mas também me deu uma nova perspectiva sobre o valor da liberdade e da resiliência humana.
Hoje, ao olhar para trás, não sinto ódio nem rancor. Sinto uma responsabilidade enorme em compartilhar o que vivi, na esperança de que outros entendam o que realmente significa estar preso em outro país, longe de tudo e de todos. Não foi apenas uma questão de sobrevivência física, mas uma batalha diária pela minha saúde mental, pela minha alma. Viver tudo isso me ensinou a dar valor aos detalhes mais simples da vida e a nunca subestimar a força que existe dentro de nós quando tudo parece perdido.
Autor : Abidan Ermalin